EM ENTREVISTA, CINEASTA MINEIRO FALA SOBRE SEU PRIMEIRO FILME DE FICÇÃO.
Documentarista formado pela Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antonio de los Baños, em Cuba), e especializado em Cinema Documentário pela Filmakademie Baden-Württemberg, na Alemanha, diretor, roteirista e produtor independente, MARCOS PIMENTEL já realizou cerca de 30 filmes, que conquistaram mais de 70 prêmios em festivais nacionais e internacionais.
Nos meses de maio e junho o cineasta filmou “O SILÊNCIO DAS OSTRAS”, sua primeira obra de ficção, rodada em Matipó e Vila Mirunga na Zona da Mata de Minas Gerais. O longa metragem conta a história de uma mulher que vive em uma vila de operários, trabalhadores do setor de mineração. A personagem principal é vivida por duas atrizes. Para representar a protagonista na infância, a escolhida foi a atriz Lavínia Castelari, que já havia chamado a atenção do diretor por sua atuação no filme “A FELICIDADE DAS COISAS”, de Thaís Fujinaga. A escolhida para a fase adulta foi a atriz Bárbara Colen, que já havia sido dirigida por Marcos Pimentel em “DIA DE REIS”, um Especial de Natal da TV Globo Minas em 2018.
O filme “O SILÊNCIO DAS OSTRAS” foi selecionado na segunda etapa do edital COINCESTIMENTOS REGIONAIS 2019, promovido pela parceria da Agência Nacional de Cinema – ANCINE, a Agência de Desenvolvimento do Polo Audiovisual da Zona da Mata de Minas Gerais, Prefeitura Municipal de Cataguases, Secretaria de Estado da Cultura e Turismo – SECULT-MG e o grupo ENERGISA.
VEJA ABAIXO A ENTREVISTA:
1 – Como documentarista você já é reconhecido nacionalmente pela realização de mais de 20 documentários, exibidos em festivais no Brasil e no exterior, conquistando muitos prêmios. Nesse ano de 2022 você se lança pela primeira vez (com exceção do especial de Natal “Dia de Reis”) na realização de uma obra de ficção – “O Silêncio das Ostras”. Fale um pouco sobre essa nova experiência.
Filmes de ficção nunca estiveram dentro do meu campo de desejos, já que o cinema documentário sempre foi um norte, uma via de expressão e uma militância que me satisfazia por completo. No entanto, acabei chegando à ficção por diferentes caminhos e motivos. No caso do filme “O Silêncio das Ostras”, que é meu primeiro longa-metragem de ficção, se deu pela impossibilidade de abordar como documentário uma história que desejava muito contar. Mineração é um tema extremamente espinhoso, principalmente em Minas Gerais. E a história que nasceu em mim, e que ganhava cada vez mais corpo e força, precisava ser ambientada no universo da mineração. Então, optei por deixar o documentário de lado e embarcar na construção de um filme onde pudéssemos “construir” nossa própria mineradora e a vila de operários que trabalham na mina, que é o cenário que abriga a maior parte do filme.
Nesta travessia, encontramos pessoas e lugares que nos proporcionaram uma linda e profunda viagem pela temática, atmosfera e construção dos personagens do filme. Foi um filme que exigiu uma equipe muito grande, imensamente maior do que eu estou acostumado a trabalhar em meus documentários. Faço cinema de forma artesanal, com equipes de 4 ou 5 pessoas, às vezes até menos que isso. Aí, no “O Silêncio das Ostras” tínhamos 80 pessoas, entre equipe e elenco, e ainda figuração em algumas cenas. Era uma loucura ter que me adaptar a isso e confesso que foi um processo difícil e muito asfixiante, mas sobrevivi à experiência e trago comigo memórias incríveis de tudo que vivemos durante as 7 semanas de filmagem. Tô bem feliz com o resultado e também com o processo”.
2 – “O Silêncio das Ostras” trata de um tema complexo e alvo de muitos questionamentos: a mineração. Como você abordou essa questão no filme?
“O filme aborda a vida de uma mulher que nasceu e cresceu em uma vila de operários que trabalham em uma mina. Tivemos que construir nossa própria vila e fazer modificações nela, porque a história se passa em 3 tempos: década de 80, década de 90 e tempo atual. Foi um trabalho de arte extremamente minucioso para conseguir ambientar toda a história. No filme, a mineração é o pano de fundo constante. Está presente em toda a trama interferindo diretamente na vida da protagonista, na de sua família e todo seu entorno. Todas as relações de trabalho e convivência na mina e na vila passam pela mineração, já que a mineradora é dona de tudo ali e interfere diretamente na vida e no destino dos personagens. A história é dura e mostra como vidas e paisagens são consumidas pouco a pouco, mas há também momentos líricos, relacionados à personalidade da protagonista e sua forma de acessar o mundo. Acho que conseguimos equilibrar bem política e poesia na construção deste filme.”
3 – O que você pode adiantar sobre a abordagem escolhida em relação à protagonista do filme, vivida por uma criança. As crianças que se candidataram já tinham alguma experiência com a dramaturgia?
“A protagonista por filme é vivida por duas atrizes. Na fase adulta, é interpretada pela Bárbara Colen. Eu já havia dirigido a Babi no telefilme “DIA DE REIS”. Ali, estabelecemos uma cumplicidade incrível, que me levou, logo após o término das filmagens, a convidá-la para fazer “O Silêncio das Ostras”. Desde então, fiz todos os tratamentos do roteiro já imaginando a Babi interpretando a Kaylane e acrescentando tudo que ela poderia oferecer para a personagem.
Tendo a protagonista na fase adulta definida, partimos para a busca de quem a interpretaria durante a infância. Foi aí que encontramos a Lavínia que tem 9 anos de idade. Durante o casting, vi a Lalá atuando no filme “A Felicidade das coisas”, da Thais Fujinaga, que, além de ser uma grande amiga, foi também minha consultora durante a escrita do roteiro.
Conversamos sobre a Lalá e, quando assisti ao filme, não tive dúvidas de que era a escolha perfeita para o que precisávamos. As duas arrebentaram. Além de muito concentrada e estudiosa, Babi é uma atriz de águas profundas e mergulhou intensamente no universo da Kaylane, trazendo camadas ancestrais que ajudaram muito a construir a personalidade da protagonista. Lalá é muito instintiva, inquieta e improvisa o tempo todo. Na interseção entre elas, nasceu a Kaylane e os mundos que ela inventa e habita.”
4 – Como foi a experiência de filmar em Matipó? Houve interação da equipe de filmagem com a comunidade local? Muitos moradores locais também se envolveram na produção?
“Filmar em Matipó foi uma experiência incrível! Houve uma grande sintonia com os moradores da Vila da Mirunga, onde construímos a vila de operários de mineração. Equipe e elenco interagiram de forma intensa com os moradores, numa troca afetiva e laboral de embriagar olhos e almas. Muitos moradores da vila trabalharam intensamente no filme, como membros de equipe. Outros, integraram o elenco secundário e a figuração, enquanto viam suas casas sendo modificadas pela equipe de arte para se transformar na vila de mineração.
Matipó é uma cidade pequena, que tem menos de 20 mil habitantes, e nunca tinha recebido a produção de um longa-metragem. Isso causou um grande fascínio por parte da população e também um grande impacto na economia local, com muitos profissionais e prestadores de serviço sendo contratados durantes os quase 3 meses em que estivemos presentes por lá. Hotéis, restaurantes, bares, lavanderias, motoristas, carpinteiros, soldadores, comerciantes… O filme movimentou a economia e o cotidiano da cidade, mexendo também com o imaginário local, num caldo bem rico e, segundo os moradores, pouco observado na cidade em outras épocas do ano.“
ENTREVISTA: BETH SANNA
FOTOGRAFIAS: RAFAELLA LIMA
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